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.: Diagnóstico como ferramenta para o planejamento sustentável do solo - um exemplo

Marcelo Ricardo de Lima (Prof. M.Sc. - Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da UFPR)

Luciano de Almeida (Prof. M.Sc. - Departamento de Economia Rural e Extensão da UFPR)

Trabalho apresentado no Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas, realizado nos dias 7 e 8 de novembro de 2000, em Curitiba - PR. É permitida a reprodução deste material desde que citada explicitamente a fonte:

LIMA, M.R. de.; ALMEIDA, L. de. Diagnóstico como ferramenta para o planejamento sustentável do solo: um exemplo. In: LIMA, M.R. (ed.). SEMINÁRIO SOBRE GESTÃO SUSTENTÁVEL DOS SOLOS AGRÍCOLAS (1., Curitiba, 2000). Anais. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, 2002. p. 21-32.

1. INTRODUÇÃO

O diagnóstico da fertilidade do solo é uma das ferramentas fundamentais que pode conduzir ao melhor aproveitamento do recursos de uma unidade de produção, e por extensão ao processo mais amplo de desenvolvimento agrícola e rural. Entretanto, quando efetuam-se recomendações somente a partir de amostras de solo analisadas em laboratório, pode-se obter resultados teóricos desvinculados de outras características importantes dos solos, de seu manejo, e do funcionamento geral da unidade de produção.

Como referência será utilizada uma propriedade rural localizada no município de Campo Magro (PR), estudada durante o III Curso de Extensão Universitária Diagnóstico da Fertilidade e Manejo do Solos Agrícolas (UNIVERSIDADE, 2000), e visitada pelos participantes do Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas. Estes eventos foram realizado no âmbito do Projeto de Extensão Universitária Solo Planta (PREVEDELLO et al., 2000) do Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná.

A partir do diagnóstico realizado naquele curso, será apresentado parte do conjunto de dados e informações que caracterizam a unidade de produção, o manejo e as condições de fertilidade do solo dessa área agrícola. Como resultado destas análises, serão discutidos alguns aspectos que interferem no aconselhamento técnico de manejo e fertilidade compatíveis com o sistema de produção. Deve-se, no entanto, ter em vista que o diagnóstico, muitas vezes, não mostra todos os planos de informação importantes ao produtor rural para o seu processo de decisão, e que terão de ser discutidos com o mesmo posteriormente.

2. DIAGNÓSTICO

A metodologia de diagnóstico envolveu diversas técnicas, como: elaboração de croquis (mapas), elaboração de toposseqüências, realização de uma entrevista semi-estruturada, e coleta de amostras de solo para análise de fertilidade química e granulometria (ALMEIDA e LIMA, 2000).

2.1 Caracterização geral da área

A propriedade rural visitada no Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas localiza-se no município de Campo Magro (PR), na localidade de Retiro. Esta possui cerca de 9 ha de utilização agrícola, 3,3 ha são destinados para pastagem, 19,2 ha de florestamento, 5,6 ha de reserva natural. Também há uma área cedida para plantio em parceria de 1,12 ha onde são cultivadas olerícolas. A propriedade faz criação de aves para postura, e bovinocultura leiteira, sendo ambas atividades para fins comerciais.

A mão-de-obra familiar é constituída de dois adultos que trabalham diretamente com as atividades agrícola e animal, e um jovem que auxilia nas atividades de escritório. Existem ainda, 9 pessoas contratadas de forma permanente, das quais 3 trabalham na horta, 1 trabalha com as culturas anuais, 2 trabalham no trato das vacas, 2 trabalham no processamento de alimentos e 1 cuida da casa. Entre as atividades de processamento estão: conservas, compotas, queijos, pães e sucos.

Os itinerários técnicos das atividades desenvolvidas na propriedade seguem as premissas da produção orgânica definidas pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD, 1997).

2.2. Funcionamento da propriedade

A Figura 01 mostra o esquema de funcionamente da propriedade rural (produzido pelos participantes do curso), o qual permite observar que o gerenciamento da propriedade é complexo, e envolve uma série de relações dentro e fora da mesma. O produtor rural, mesmo que de forma não sistematizada, leva em consideração estas relações no momento de estabelecer se irá ou não adotar novas tecnologias de manejo do solo, por exemplo.

Na Figura 01 a seta da direita contém as perspectivas futuras do agricultor, e pode-se observar que a melhoria do solo não consta em suas prioridades. Na verdade, o produtor não ignora a existência de problemas relacionados ao solo, mas não os prioriza no curto prazo, devido a estrangulamentos maiores, relacionados a outros aspectos do sistema produtivo ou da manutenção da própria família. Por outro lado, existem "problemas" que muitas vezes não são vistos desta forma pelo produtor, e aí cabe o papel do profissional da extensão rural para alertá-lo, de maneira a incorporar esta preocupação à sua lista de prioridades.

FIGURA 01: Esquema de funcionamento da unidade de produção agropecuária localizada em Campo Magro - PR (Fonte: UNIVERSIDADE, 2000)

2.3. Croqui da propriedade rural

A Figura 02 mostra o croqui da propriedade rural estudada. Pode ser notado que não há uma preocupação excessiva em precisão na delimitação dos talhões, mas apenas ter uma referência espacial comum ao agricultor e ao técnico.

FIGURA 02: Croqui de uma unidade de produção agropecuária localizada em Campo Magro - PR (Fonte: UNIVERSIDADE, 2000)

 

Este croqui foi obtido através da discussão conjunta dos participantes do III Curso de Diagnóstico da Fertilidade e Manejo dos Solos Agrícolas e a família de agricultores, e sua representação apresentava lógica para estes atores do processo. Para os participantes do Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas, que também visitaram a área esta representação pode não ter sido a mais lógica para estes.

A importância do croqui é manter os interlocutores dentro de um mesmo grau de informação à respeito da distribuição geográfica da unidade de produção, facilitando a troca de idéias entre as partes, sendo, por isto mesmo, um facilitador na comunicação técnico-produtor. Muitas vezes o croqui presta-se muito mais ao técnico, que não conhece a área, do que ao produtor, que circula pela mesma diariamente, mas raramente teve a oportunidade de exercitar a sua sistematização.

Na Figura 02 observa-se que o produtor dá preferência a alocação de atividades que demandam grande mão de obra (como a olericultura e a bovinocultura leiteira) nas proximidades da sede da fazenda. Atividades que demandam menor mão de obra normalmente são alocadas para locais mais distantes da sede da propriedade. Esta lógica de racionalidade leva o agricultor a implantar a pastagem em uma área de elevada declividade, mesmo consciente dos problemas de conservação do solo, para manter o gado leiteiro (que necessita ser manejado diariamente) próximo à sede.

2.4. Toposseqüência

A toposseqüência, assim como o croqui, é esquemática, sem tem a pretensão de elevada precisão topográfica, porém fornecendo indicações importantes sobre a paisagem estudada. A Figura 03 ressalta o aspecto da declividade destacado no ítem anterior. As glebas 5 e 6, além de apresentarem a maior declividade da propriedade (até 75%), apresentam rochosidade e pedregosidade elevadas. Esta área ainda possui por material de origem o quartzito e o filito, que lhe conferem uma textura com menor teor de argila, portanto mais susceptível ao processo erosivo. Cabe destacar que a maior parte das áreas desta unidade de produção são formadas à partir de metadolomitos e diabásio, que lhe conferem melhores condições do ponto de vista da capacidade de uso da terra.

Apesar destes evidentes problemas, o produtor permanece com o seu intuito de manter o pasto nesta área, apesar das restrições, pois na lógica de trabalho deste, havia uma priorização do aspecto "distância à sede" em relação a "risco de erosão" ou "fertilidade natural". Além disto, a alocação do pasto em outra área pode gerar um conflito de interesse com culturas anuais ou olerícolas.

Como se observa, as lógicas de gerenciamento da unidade produtiva devem ser conhecidas pelo técnico da extensão rural, para que este possa fazer aconselhamentos técnicos mais apropriados à realidade vivida diariamente pelo agricultor.

FIGURA 03: Toposseqüência de uma unidade produção agropecuária localizada no município de Campo Magro – PR, ilustrando as glebas 5 e 6 (Fonte: UNIVERSIDADE, 2000)

2.5 Sistema de produção da propriedade

O sistema de produção representado na Figura 04 foi obtido pelos participantes do III Curso de Diagnóstico da Fertilidade e Manejo dos Solos, à partir da entrevista semi-estruturada com os produtores rurais. Observa-se a complexidade existente, o que é um aspecto muito comum em unidades agropecuária que são de natureza familiar. Deve-se ter em vista que este tipo de produtor rural procura manter a estabilidade econômica da propriedade e da família através da diversificação e da redução do risco associado a um única atividade.

Neste caso específico, como a produção possui certificação orgânica, existe ainda a preocupação em manter o sistema com menor dependência de insumos externos, o que demanda a inerente integração entre os sistemas de criação e de cultivo.

Este elevado grau de integração também condiciona o produtor rural a pesar uma série de aspectos antes de decidir qualquer sobre a adoção de qualquer inovação tecnológica. O que pode parecer, sem uma análise mais detalhada, um conservadorismo do produtor, na verdade é uma preocupação com a manutenção do "status" do sistema produtivo, pois o técnico, frequentemente, não leva em consideração estas relações ao propor uma nova tecnologia.

Há, portanto, uma lógica de gestão da unidade produtiva que orienta as decisões do agricultor, entre elas, aquelas relativas a adoção de novas práticas ou tecnologias. No caso em questão, esta lógica se materializa na diversificação e na integração das atividades. Esta estratégia e seus objetivos podem representar a oposição do agricultor diante de orientações contrárias a estes.

FIGURA 04: Esquema do sistema de produção de uma unidade agropecuária localizada em Campo Magro - PR (UNIVERSIDADE, 2000)

Embora não esteja apresentado neste texto, existem diversas relações de sinergia e competição entre as atividades que fazem parte do sistema de produção. Assim, por exemplo, a intensificação de uma determinada atividade de produção olerícola pode conduzir a falta de mão de obra, esterco, área, etc., para outra atividade, como a produção de grãos, a bovinocultura leiteira, ou mesmo a produção de outras olerícolas. Tal intensificação pode não ser interessante para este produtor em particular, pois o mesmo comercializa grande parte de seus produtos diretamente ao consumidor urbano, através de cestas e feiras, atividades que exigem diversidade ao invés de volume de produtos.

As considerações tecidas se referem ao sistema de produção apresentado, porém a lógica operacional é semelhante ao analisar qualquer outra propriedade, ou tipo de sistema de produção, existente em uma determinada região.

2.6 Solo e manejo

A propriedade tinha como vegetação original floresta ombrófila mista, que foi derrubada quando o avô do produtor a adquiriu. Segundo o agricultor a área é subdividida e utilizada de acordo com a declividade, fertilidade natural, facilidade de acesso, proximidade da sede e manejo das culturas: a) Plantio de milho orgânico em rotação com batata ´ ervilhaca ´ pousio; b) Pasto (subdividido em pasto de cima e pasto de baixo para evitar a infestação de carrapato e também em função da disponibilidade de pasto para os animais); c) Horta (a propriedade possui 2 estufas em construção e, para fazer as mudas e sementeiras que serão transplantadas mais tarde para o campo há uma estufa menor); d) Pomar; e) Criações de aves e gado. De acordo com o proprietário, a análise de solo foi feita há cerca de três anos atrás na horta e detectados os problemas, foi feita uma tentativa de correção das deficiências aplicando calcário em algumas áreas, sem resultado significativo. Na cultura da batata foi aplicado calcário, para que este tivesse efeito para a cultura do milho. Os resíduos culturais da lavoura têm destinos diferentes: deixados no campo e incorporados no solo com arado de tração animal e a razão para tal manejo e a liberação de nutrientes que irão auxiliar na fertilidade do solo; usado para composto; usado para a alimentação das galinhas. O sistema utilizado para o preparo do solo é em parte mecanizado (escarificador e grade) e parte tração animal (arado). A propriedade apresenta como estratégias conservacionistas: adubação orgânica (esterco curtido), adubação verde (em implantação), e cultivo em nível nas áreas de milho e batata.

As informações descritas acima, obtidas na entrevista semi-estruturada com o produtor rural, mostram claramente que o mesmo tem um sistema de manejo de solo implantado, embora possa ser melhorado com o auxílio da extensão rural.

2.7 Análise química do solo para fins de fertilidade

O quadro 01 demonstra, em algumas glebas da propriedade, que a menor preocupação relativa do produtor rural em relação aos seus problemas de solo deve ser relativizada. A fertilidade do solo (mesmo em glebas mais problemáticas do ponto de vista de material de origem e conservação, como a 5 e 6) pode ser considerada satisfatória. Como existe uma tendência usual dos produtores rurais em se preocuparem primeiramente com a fertilidade química do solo, e posteriormente com a fertilidade física ou biológica, em uma análise inicial, a questão "solo" acaba sendo relevada a um plano de prioridade inferior, em relação às demais demandas do agricultor.

De fato, na discussão realizada entre o produtor rural e os participantes do Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas, a tônica ficou centrada em problemas relativos à comercialização e beneficiamento dos produtos orgânicos, bem como a falta de linhas de financiamento para investimento. Embora discutidos assuntos sobre o solo, este ficou em segundo plano, mesmo quando o grupo estava praticamente "pisando" em áreas com problemas que seriam consideradas conflitantes (sobreutilização) ao se comparar: uso atual ´ capacidade de uso da terra. Não se pode ignorar que esta unidade de produção, embora pequena, apresenta grande intensificação de mão de obra e capital, o que se reflete no uso igualmente intensivo dos recursos naturais, entre eles o solo. A utilização racional do recurso "solo" deve ser compatibilizada com as demandas e restrições da propriedade para haver um processo de utilização sustentável, que possa se perpetuar pelas gerações seguintes, bem como manter economicamente a família e seus nove empregados no momento presente.

Fruto desta preocupações os participantes do III Curso de Diagnóstico da Fertilidade e Manejo dos Solos Agrícolas propuseram uma série de sugestões técnicas, que foram discutidas e redimensionadas com os produtores, e estão sendo no momento, implantadas na medidas das possibilidades da unidade produtiva.

QUADRO 01: Análises químicas do solo para fins de fertilidade e interpretação em algumas glebas de uma unidade de produção agropecuária localizada em Campo Magro - PR (Fonte: UNIVERSIDADE, 2000)

GLEBA

pH

CaCl2

Al+3

H + Al

Ca+2
+ Mg+2

Ca+2

K+

T

P

mg/dm+3

C

g/dm+3

pH

SMP

V%

cmolc/dm3

Gleba 3

5,30
acidez média

0,0

5,00

10,5
alto

7,9
alto

0,2
médio

15,6

8,0
Médio

19,4
alto

6,00

68,0
médio

Gleba 4

4,8
acidez alta

0,4
muito baixo

6,2

10,2
alto

7,3
alto

0,1
médio

16,5

5,0
baixo

17,5
alto

5,7

62,5
médio

Gleba 5

4,8
acidez alta

0,5
baixo

7,20

11,6
alto

8,6
alto

0,4
alto

19,2

18,0
Muito alto

31,8
alto

5,50

62,5
médio

Gleba 6

4.5
acidez alta

0,9
médio

8,40

8,3
alto

5,9
alto

0,4
alto

17,1

9,0
alto

24,4
alto

5,30

51,0
médio

 

AGRADECIMENTOS

Os professores e alunos participantes do Projeto de Extensão Universitária Solo Planta agradecem ao Sr. Ozir Natal dos Santos e Sra. Sandra Mara Ribas Machado dos Santos, e seus filhos Dalmir, Dariene e Davi, do Sítio Recanto Nativo, pela acolhida e participação no III Curso de Diagnóstico da Fertilidade e Manejo dos Solos Agrícolas e no Seminário sobre Gestão Sustentável dos Solos Agrícolas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, L. de; LIMA, M.R. de. Metodologia de caracterização do sistema de produção com ênfase na fertilidade e manejo dos solos. In: LIMA, M.R. de; SIRTOLI, A.E.; PREVEDELLO, B.M.S.; ALMEIDA, L. de; MACHADO, M.A. de M.; MARQUES, R. Manual de diagnóstico da fertilidade e manejo dos solos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, Departamento de Solos, Projeto Solo Planta, 2000. p. 21-43.

INSTITUTO BIODINÂMICO DE DESENVOLVIMENTO RURAL. Diretrizes para os padrões de qualidade Biodinâmico, Deméter e Orgânico - "Instituto Biodinâmico". 7. ed. Botucatu, 1997. 42 p.

PREVEDELLO, B.M.S.; LIMA, M.R. de; ALMEIDA, L. de. Projeto solo planta: sistema de análise de solo e planta – ferramenta tecnológica ao alcance do produtor rural. Em Extensão, Uberlândia, v. 2, n. 2, p. 45-52, 2000.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Departamento de Solos. Projeto Solo Planta. Diagnóstico da fertilidade e manejo dos solos do Sítio Recanto Nativo (Campo Magro – PR). Curitiba, 2000. 23 f.


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